por Elitiel de Souza Guedes
O tema proposto, sob o meu ponto de vista, coloca uma questão fundamental a todos nós. Olhar a cidade, perceber a sua diversidade cultural é construir coletivamente para que as políticas publicas representem, de fato, os anseios e desejos de futuro das comunidades. O importante é que nos preocupemos, nesse momento, com as multiplicidades das nossas cidades e com a forma pela qual a cultura pode ser uma elemento importante, não só na confirmação positiva das identidades culturais, mas também como os valores culturais podem reinventar a gestão e incluir o cidadão na vida do município por meio do trabalho, da educação, do pensar, do sonhar , do lazer e do futuro desejado.
As nossas ações necessitam trazer em seu bojo a perspectiva de transformar a cidade física e espiritualmente e, consequentemente, contribuir para a melhoria da qualidade de vida. Uma ação cultural pluralista revela os diversos atores da sociedade, e a interação com estes são fatores decisivos para a mudança da cultura política dos cidadãos, no sentido de despertar o orgulho pela localidade, de que são seus, também, os destinos da cidade. A cultura tem algo muito peculiar que é a capacidade de articulação e, ao mesmo tempo, tenciona a reflexão sobre o redirecionamento das políticas publicas, tão necessárias à superação deste mundo injusto.
O momento em que vivemos agora é importante porque a cultura da esperança ou da espera de dias melhores já se foi por terra; ninguém mais crê no futuro imediato, ninguém tem expectativas positivas quanto às políticas que aqui estão, e muito menos naquelas que avançam a linha do horizonte sem ter nenhuma conexão com o que está se fazendo no presente. O tempo é de construção de uma outra política e essa tem que ter o enraizamento no seio da sociedade e ser apropriada pela mesma. Essa crise marota faz com que o cidadão tenha um olhar no retrovisor da memória, no passado e nas lembranças. E o futuro é aquele que se leva muito tempo.
Às vezes penso nas nossas cidades e nos seus tantos problemas; sinto que não nos demos conta que esta é a hora da promoção da sua auto-descoberta, ou seja, é importante que ocorra no município uma ação multicivilizacional; este é o momento das diferenças e das afinidades passarem a se rebelar contra este estado que está a vida das pessoas. Os municípios têm que se estabelecer como uma estação planetária múltipla, onde os experimentos com a tradição local podem ser unidades que se reforçarão e despertarão o orgulho do pertencimento. Não se concebe, na maioria das vezes, olhar o município como um caldeirão das contradições sociais, econômicas, políticas e culturais. Não dá mais para governar somente para elite e virar as costas para os pobres.
É na localidade que se sabe aonde a fala e as expressões dos pobres se dão com maior visibilidade, da mesma maneira que refletem no espelho dos privilegiados o abandono do outro, e é por suas ruas e favelas que se produz um cotidiano rico em expressões culturais. É nele que se sabe onde e como a violência mora, onde a solidariedade dita vozes alternativas de como se humanizar o mundo, mas também é o lugar onde a banalização da vida é exaltada e a dor humana se faz presente, ao ser impotente para acabar com tanta a segregação e exclusão social.
A gestão dos municípios na área da cultura ainda é feita de forma míope, cujas ações estão calcadas em políticas clientelistas.
O administrador publico tem que querer resgatar o sonho do seu munícipe e incentiva-lo como seu parceiro para a efetivação das mudanças necessárias. Para isto é preciso gerir a cidade com uma outra qualificação, ou seja, exige-se uma atitude radical, aquela de fazer do município sua nação. O município é a sua representação. Só com atitudes democráticas é que se pode levar o conjunto da sociedade a pensar e agir, diferentemente, na construção de uma nova política; ser probo é importante, mas não basta. Ele tem que ser alguém que recupere o ego dos cidadãos de viverem na cidade, que crie canais de participação e decisão da comunidade local possibilitando a sua redescoberta, que aprofunde e redirecione as suas vocações e o dirija para um futuro que seja solidário. A globalização trouxe questões importantes para o mundo e todos nós somos atingidos por ela.
Não vivemos mais no mundo do choque das ideologias e sim dos choques culturais. Por isso convivemos com algumas questões que nos avivam: quem sou eu onde sou diferente do outro? Estas perguntas devem ser transferidas para nós, enquanto gestores públicos. Porque, se os municípios não estão isentos dessas questões, enquanto cidadãos, temos que refletir sobre este olhar e perguntar quem somos nós? Isto, para não sermos tragados pela lógica da globalização, que é a de fazer dos países desenvolvidos o espelho para o nosso desenvolvimento cultural, econômico e social. Essa ausência de política de cultura dos municípios tem contribuído para a disseminação do culto do individualismo e para uma cultura de mercado. Na maioria das vezes, os gestores públicos dos municípios delegam às políticas de cultura as migalhas dos governos estadual e federal, que delegou ao mercado cultural a sua regulação.
Para a nova geração, o que importa não são mais as tradições culturais que reverenciavam e distinguiam os seus pais. Hoje, as heterogeneidades da população não estão somente na restrição ao pobre e ao rico, elas estão presentes entre os pobres e os ricos; todos vivem e circulam em espaços bloqueados de códigos que desagregaram as culturas tradicionais, que proporcionaram num período de tempo expressões que identificavam a localidade, mas que hoje, com o nexo da tecnologia que promoveu a virtualidade e o choque da globalização, caminham para mudanças radicais, tanto na vida daqueles que tem a cidadania pelo consumo dos bens materiais e culturais, como daqueles que estão nas periferias da cidade. Todos constróem com incrível velocidade outras identidades, cravadas pelo preconceito, pela falta de educação, pela falta de acesso do direito aos bens da vida contemporânea.
Devemos ampliar o conteúdo dos órgãos que cuidam da cultura e mudar as estruturas que estão superadas; estas precisam se conectar com a vida das pessoas, com novas expressões culturais e serem articuladoras da sociedade para que, conjuntamente, com os diferentes e os iguais, caminhem em direção criação e reflexão de uma cidade que tenha as suas identidades referenciadas não só na literatura, na dança, na música, mas também em outras formas de criação intelectual, que sejam traduzidas e expressas na forma da gestão da cidade. A ação cultural tem que contribuir para a superação das ilhas de desigualdades sociais, para o fomento, a criação e a manutenção dos espaços públicos ou privados, na forma do desenvolvimento econômico e na geração de renda. Todos são fatores importantíssimos para a formulação de uma política alternativa de cultura.
Um ponto é importante a ser discutido aqui é o artista local que na maioria das vezes é encarado como um tabu. Em primeiro lugar, creio que cabe a nós investir mais nestes artistas, não reforçando o balcão, mas dando maiores condições para ele se desenvolver artisticamente por meio de cursos de formação e da construção de uma expressão que o faça capaz de ler o local para atingir o mundo; que reforce mecanismos eficientes da difusão dos seus trabalhos, criando espaços públicos capazes de absorver as manifestações artísticas.
Tem um olhar errado e perigoso de ambas as partes; o poder público que trata o artista local com o mesmo critério da indústria cultural e o artista local, também com a mesma lógica do mercado. Isto é empobrecedor para ambos. Na verdade, há que se criar e reforçar o mercado cultural que é onde cabem todas as manifestações artísticas e que não o tem como produto e as manifestações culturais como uma mercadoria, mas o reconhece como expressão artística do indivíduo e da coletividade e o vê como importante para o desenvolvimento da cidade. Assim o reforça enquanto artista da localidade e por meio da circulação e difusão estará criando condições para que a cidade seja um local multiplicador, de muitas caras. Artistas da indústria do entretenimento para mim são os grandes eventos.
Não dá mais para se ter uma política de cultura voltada somente para as belas artes. Deveríamos pensar em um órgão que tivesse a preocupação com o desenvolvimento humano, com a articulação de políticas que também se interessassem pelo meio-ambiente e pela cidadania. Ai sim, com certeza, estaríamos agregando novas aspirações, bem como englobando todas a formas de criação humana e natural. A sociedade cria à toda a hora novos procedimentos. Ela é dinâmica e essa novas culturas provocam um outro olhar. Normalmente, nossos órgãos de cultura não conseguem acompanha-las, e poucos a admitem; elas não estão suficientemente vivas para serem surpreendidas porque, na maioria das vezes, as instancias de culturas são autoritárias.
Eivadas de uma prepotência tamanha acabam se distanciando da sociedade, usam a política de cultura, muitas das vezes, para servir aos seus interesses, sem funcionar como estimuladoras da criação cultural e da organização da sociedade.